Escritor em crise





Cortava o "t" e colocava lentamente os pingos nos "is" desanimado e propositalmente desalinhado em relação as linhas do caderno. Não tinha nenhuma vontade, ao menos naquele momento, de escrever mais nada. Nenhuma frase sequer poderia ser aproveitada. Sabia que apagaria deliberadamente aquele texto, ou quiçá toda a página. Lixo. Tudo iria para o lixo. Sem inspiração, sem ideias novas, sem nenhum assunto específico. Nada. Não lhe vinha a mente nenhum tópico ainda que repetisse obrigatoriamente todos os movimentos da escrita. A Semântica já não lhe favorecia. Língua bruta, afiada, signo inexato e significante abstrato. A Sintaxe, sua eterna inimiga, sempre teve seu respeito e temor, mas agora, alternava-se entre o Sujeito e o Predicado de uma forma ímpar, fazendo-o confundir os Essenciais Termos da Oração. Sim, como sempre fizera, atrapalhou-se entre o Vocativo e o Aposto de forma tão obscura que invocava quem não deveria estar na oração. A Morfologia sempre tão estável resolveu se rebelar e atualizar seus sufixos e afixos, o que o fez ficar mais confuso. E desta vez, ele já não se sentia seguro em usá-la. Também por uma questão de humildade desistiu de utilizar a Fonética como um recurso, quem leria aquela porcaria? E por isso talvez ele não tenha se dado conta de usar a Fonologia para ajuda-lo naquele conflito. A transcrição fonética, sem dúvida não o ajudaria a ter ideias. São apenas representações de alguém que já pariu a escrita. Não era definitivamente o caso naquele momento. Não pediria apoio a Etimologia, não carecia explicar a origem do que não existia. Ele não havia sequer usado uma palavra decente. Entristeceu-se demasiado quando lembrou-se da querida Estilística, não a usaria como um recurso estético. Não havia contexto nem aplicação. Rasgou lentamente a folha do caderno.

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